quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Ética e as relações fora do trabalho

Para o filósofo, ou o que se acha um, as relações fora do trabalho são sempre uma lição de humildade.

No trabalho as coisas são simples, faça-se o trabalho. As pessoas nem precisam se conhecer. Afora isso, a conduta no trabalho é muitas vezes regulada oficialmente, ou por simples adoção da ética dos que chefiam.

Quando passamos para as relações fora do trabalho, do consumo ou da prestação de serviços, estamos no deserto das regras. As pessoas passam a seguir seu próprio bom senso, sua noção de ética. Não se diga moral, pois os grupos de pessoas que se relacionam além das obrigações geralmente compartilham as mesmas regras de convívio. É a ética que apresenta o maior desafio. E não é um pequeno desafio.

O que vejo hoje como paradigma ético mais aceito é o postulado confuciano "não se deve fazer para os outros o que não se quer que façam para si", que remete ao tempo do início da civilização: regra de Talião (se não me engano).

Este paradigma, por sua simplicidade, é extremamente útil, mas inevitavelmente incompleto. Ele pressupõe ética uniforme. É meramente um mecanismo de auto-controle. Ninguém vai me machucar, pois ninguém eu machuco. Errado.

O outro lado do paradigma confuciano da reciprocidade negativa é que geralmente as pessoas carregam éticas distintas quanto a detalhes diferentes (assim como diferentes grupos possuem diferentes morais). O desdobramento óbvio é que, ao transportar nossa própria ética para os outros, a fim de nos abstermos de machucá-los, ignoramos o que realmente pode ser inconveniente, o que diz a ética de quem vai sofrer ou não com as nossas ações.

Acho que um exemplo elucida melhor as coisas. Você não se importa que usem seu notebook para ver e-mails se ele estiver ligado, aberto, e você estiver fazendo outra coisa. Um amigo seu recém comprou um notebook, que se encontra nestas condições. Você naturalmente abre o navegador e checa seus e-mails. Não tem nada de mais. Ele o surpreende no ato. Ele, tarde demais você descobre, odeia que façam qualquer coisa no seu notebook. Você acabou de machucar seu amigo, por uma coisa que não te machucaria reciprocamente.

É um exemplo banal de uma situação exagerada, mas creio que exemplos são melhores assim.

O que fazer? Para nossos personagens creio que sua amizade está para sempre destruida. Eles nunca mais se falam e, no leito de morte, o amigo folgado pede perdão, que é negado pelo amigo neurótico. Ele morre em sofrimento e o outro morre poucos meses depois. Poucas pessoas comparecem a seus enterros, porque um era muito folgado e o outro muito neurótico, e eles não tinham outros amigos.

No fim, o melhor é relaxar e se irritar apenas quando a sacanagem for de propósito; os filhos da puta das empresas financeiras; e sempre conversar bastante. Nunca se sabe quando uma dessas "gafes" pode acontecer, e quando acontecer conosco, não podemos nos sentir traídos e ficarmos irritados. Não vale a pena.

Mas eu posso sempre estar errado.

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