sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A Limitação do Existencialismo

Pois, bem!

Interessante mesmo é a vida. A ficção tende a ser monótona.

Uma amiga minha disse que o post sobre a teoria das necessidades é denso e prolixo. Ela tem razão. Eu me perdi, bem perdido, nos meus devaneios. Eu pretendo explicar tudo por partes, bem direitinho, para meu próprio desenvolvimento da matéria. As ideias estão bem formadas, já que surgiram de uma epifania ,mas a complexidade do que consigo observar encontra obstáculos para ser transformada em palavras. Aos poucos espero que isso se resolva.

Primeiro vamos à base filosófica. Partimos do existencialismo, que por sua vez já parte de outras correntes, sendo, na minha opinião, a corrente atual mais completa e verossímil, e vamos em seguida para o conflito crucial observado hoje. Daí poderemos partir para a solução deste conflito e para a descoberta da situação prática que o conflito impõe. A partir disso chegaremos à teoria nova. Não é uma desqualificação do existencialismo. É apenas um caso específico, um desdobramento limitado que, ironicamente, é o comportamento adotado por quase toda a humanidade.

Pois começemos.

A existência precede a essência. Sim, mas não é possível existência sem essência. Nada pode existir meramente, exatamente porque as coisas têm comportamento. Comportamento é uma característica daquilo que possui essência. A própria definição de essência pode ser traçada pelo comportamento que determinada coisa tem. A essência de determinada coisa é o que determinada coisa faz. A partir disso podemos concluir que o existencialismo não fala de essência imutável. Muito ao contrário, a mutabilidade da essência pelo próprio objeto existente é a definição do existencialismo. Desta forma, todos surgimos ao mundo com uma essência, que é simultânea à nossa existência. Saímos de nossas mães chorando e tremendo de frio, pois esta é nossa essência, nosso comportamento. Chame-se essência provisória, grosseiramente. O que fazemos no seguir da vida é remodelar a essência provisória e decidir que forma terá nossa essência final. Estamos fazendo isso o tempo todo. A liberdade é tanta que podemos escolher qualquer coisa. É quase inimaginável.

A limitação está, entretanto, na própria vontade do ser. Não estou falando de ser um escritor, um pedreiro, um advogado ou um médico, de ser punk ou skin-head, gay ou Muhammed. Estas são questões menores e pacíficas (O Ser e o Nada, Sartre). Estou falando de ser humano. Ser humano é o ponto. Podemos, a qualquer instante, deixar de ser humanos, ou abandonar certa característica que nos faz humanos, no que tange ser humano de fato, que é a definição que damos à coisa. Queremos mudar tanto, deixar de ser humanos? Eis a pergunta certa.

Isto nomeie-se limitação voluntária do existencialismo.

Eis então que passamos a ser limitados pela escolha que fizemos, e reiteramos, abrindo mão de outras escolhas que poderíamos fazer, mas que são incompatíveis com a essência que escolhemos manter. Eis o que é ser humano. Difícil de sacar? Exemplo, então.

Você gosta de comer, certo? Comer é interessante. Você gostaria de não mais precisar de comer? Não sei. Creio que não, se você pensar bem. Não é uma questão de pensar em algo impossível. Se você não precisar mais comer, logo vai deixar de ter a conexão que isso proporciona com outros seres humanos. Você deixará de ser humano, um pouco, e isso trará um afastamento (veja que linguagem barroca) em relação às pessoas que precisam comer. Você deixará de sentir o próprio prazer da coisa, o que corroborará o afastamento. Claro que você pode escolher não mais querer sentir vontade de se relacionar com outras pessoas. A essência é sua. Você quer? Não sei se ficou mais claro.

O exemplo é grosseiro, a fim de ser claro. Um dos exemplos mais sutis e obscuros é a sexualidade. Quem vai escolher deixar de querer fazer sexo? Não sei, mas isso traz gigantescas limitações do existencialismo. Tanto que deixamos de ter controle de nossas ações por determinados períodos. Sentimos coisas que não queríamos sentir. Há grande dificuldade de lidar com isso. Mas por quê? Podemos deixar de ser humanos. Podemos abandonar tudo a qualquer momento. Acontece que não queremos. Outro exemplo.

Uma das minhas namoradas (eu tive três) era descaradamente flertada por um colega de trabalho, ou de aula. O cara era nada atraente, ela mesma me disse. Era um cara legal, mas meio perdedor. Um dia (tempos depois de nos separarmos) ela me fala sobre uma mudança de comportamento dele. O cara parou de correr atrás. Nesta ocasião eu tinha notado uma mudança de opinião dela mesma em relação a ele. Não o achava tão perdedor. Tempos mais tarde, conversando com ela novamente, descubro, para minha surpresa, que eles tiveram um breve relacionamento (cerca de um mês e meio). Achei realmente intrigante. Coisa que hoje vejo de forma simples, que é o que embaso aqui. Ele jogou direitinho, e venceu.

A reação dela foi automática porque estava limitada pela escolha de ser humana. Ele se aproveitou da reação inerente que diz respeito à sexualidade feminina (que é bastante diversa da masculina). Bastou demonstrar confiança inequívoca, através da indiferença. Ela só precisou estar minimamente receptiva (devia estar carente), e acabou atraída. Confesso que isso foi uma grande decepção, descobrir que ela é tão manipulável quanto as mulheres em geral (eu gostava muito dela, afinal). Depois deixei pra lá, e me concentrei em experiências novas, e em usar eu mesmo esta limitação em meu favor no futuro. Não vejo como uma coisa ruim que ela possa ser manobrada desta forma. Ela aproveitou, eu imagino, e deve ter consciência, ainda que mínima, deste mecanismo. Só perdeu mesmo minha admiração (que era um tanto cega), mas isso todas perderam. Certa vez ela mesma tinha me dito que não gostava de como seus sentimentos pulavam de um estado para outro sem o menor controle. O importante foi que aprendi um bocado sobre ela, sobre as outras duas, e sobre todo mundo.

A dificuldade em expressar a coisa em palavras é que é interessante. Para mim as minhas antigas namoradas são transparentes. Se eu tivesse formulado e aprendido tudo isso antes, uma delas nem mesmo teria sido minha namorada, e as outras duas teriam sido por muito menos tempo. Só não consigo expressar esta compreensão claramente com palavras, ainda, o que significa que ainda tenho coisas a aprender.

A limitação voluntária do existencialismo é o ponto de entrada da minha teoria das necessidades, e a origem principal. Depois de clareado este ponto, começaremos a discutir como se formam as limitações de acordo com a essência básica amplamente adotada pelos seres humanos, que se chamará essência basal.

Por enquanto é só. Este post é o início de um capítulo. Preparem-se.

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