quarta-feira, 30 de abril de 2008

A Orígem das Espécies

Por Guilherme de Moraes Alvarez

Eu tive um sonho muito ruim hoje. Não chegou a ser um pesadelo, mas eu acordei no meio e me senti muito mal. O conteúdo do sonho não é importante. Imagine o que quiser.

Não vou falar mais de meu sonho. Vou falar de medo, ignorância e depressão. Ser humano.

Eu tinha muito medo de ser medíocre. Eu sempre tive grande dificuldade para me concentrar. Tudo era tão imensamente interessante que uma única coisa raramente me prendia (leia aqui, por favor). Quando alguma coisa me prendia, raramente era útil. Isso marcou minha vida muito nos anos finais da adolescência (creio que ainda passo por eles), quando tive que tomar decisões e seguir rotas certas. Sob pressão eu funcionava ainda pior. Não vou explicar as entranhas de ter déficit de atenção. Muitas pessoas têm (cerca de 3% das pessoas). Ela me tornou criativo e de alguma forma eu virei uma pessoa paciente e amigável. Até meus 19 anos eu vivi muito bem sendo assim. Nunca tive problemas com a vida porque a vida não me exigiu além do que eu podia fazer com uma mão nas costas. Chegou o dia, porém, em que eu prometi que ia fazer o que eu sabia que ia ser muito difícil fazer. Eu achei que conseguiria. Não consegui. Não é difícil imaginar o que aconteceu em seguida.

Depois disso eu perdi tudo. Era inevitável. Cedo ou tarde eu ia decepcionar alguém e sofrer muito. Eu nunca devia ter envolvido quem eu amo no meu fracasso. Eu devia ter enfrentado meu fracasso antes. Por quê eu não fiz isso? Ótima pergunta. As entranhas da própria existência sempre são as mais misteriosas. Eu teorizo (em duas partes).

1. Minha dificuldade com fazer as coisas de modo não criativo e estudar tudo que é super chato tinha efeitos bem definidos que me atormentaram enormemente. Sempre que eu tentava estudar eu dormia profundamente. É tão absurdamente inevitável quanto ridículo. A sensação de impotência era tão grande que eu queria sentir dor. Eu tenho uma certa apreciação pela dor por isso mesmo. A dor traz concentração, atenção total. Eu sou viciado em atenção total. Eu gosto principalmente da dor que vem do esforço muito grande. Esta dor me esvazia a mente. Não pensar é tão bom quanto difícil. Acontece também uma coisa muito estranha comigo. Quando alguém me explica algo, geralmente apontando num desenho ou com gestos, interessante, eu sinto um frio no pescoço e fico hipnotizado. É ridículo. Eu sou meio ridículo. Demasiado irônico (hoje eu encontrei uma borracha que tinha perdido, logo depois de comprar uma nova). Acontece, entretanto, e eu não sei porque. Não sei também se já tentei explicar isso pra alguém. Acho que é uma coisa que acontece só comigo. Tenho certeza que tem relação com a minha dificuldade de concentração. No fim das contas toda a minha dificuldade em estudar me levou a uma grande depressão (comum com DDA's, eu descobri posteriormente) e um grande medo. Medo do fracasso eu tinha. Medo de fracassar pra sempre. Eu tinha medo de ser medíocre a vida inteira. Eu fui tão tolo.

2. Meu déficit de atenção foi muito mal combatido. O meu sucesso agora (sucesso tardio e inútil, já que, certa mágoa nunca desaparecendo, eu nunca vou me perdoar) é fruto da minha depressão (que tem relação com uma certa ruptura, mas muito mais com o sofrimento que eu causei, com a minha culpa). É tão irônico que eu tenho raiva. A depressão que eu sinto agora, uma vez que não é diretamente relacionada com o próprio déficit de atenção, diminuiu toda minha excitação com o mundo. As coisas que tão eficientemente me distraiam antes (estragando a minha vida), como o maravilhoso Age of Empires II, não me distraem mais (é isso mesmo, eu não consigo mais jogar Age). Eu agora posso me concentrar. É incrivelmente ridículo (nos moldes da minha existência) e me pergunto se o efeito é permanente, mesmo que a depressão passe e eu seja feliz. Eu imagino que sim. Grandes traumas mudam as pessoas certamente. Minha intelectualidade não está totalmente formada (isso só acontece por volta dos 25 anos quando a mielina termina de se depositar totalmente, tornando mudanças de comportamento muito mais difíceis). Sempre que minha atenção se desviar indevidamente para algo banal, no meio de uma coisa importante, o instinto formado do sofrimento vai me trazer de volta para os trilhos fazendo com que eu me desinteresse pela mesma, eu espero.

Naturalmente eu não tenho certeza disso. Encarando minha doença como exatamente o que ela é: uma doença, eu tenho que tomar atitudes mais enérgicas de tratamento. É o que eu vou fazer. Sempre tive medo de tratamento. Sempre tentei negar que eu precisava de tratamento. Estupidez total.

Outro grande problema é meu vício por atenção. Nas minhas experiências com o cubo de Rubik tenho notado que meu prazer não diminuiu, mas que minha culpa posterior é muito grande, como uma quebra de abstinência. Portanto permaneço viciado. Eu não sentia abstinência antes. Sempre vivi num estado constante de distração/divagação com ilhas de estímulo excessivo. Sempre foi muito difícil quebrar isso. Muitas vezes apenas a total culpa antecipada do evento danoso que adviria da minha desatenção me dava capacidade de concentração, e mesmo assim, no limiar do necessário. Após o perigo cessar eu voltava às divagações. Isso me preocupa. Pode ser que eu tenha crises me concentrando em coisas chatas, por conta do novo instinto (no caso de ele se formar), e fique inquieto em virtude do conflito. Levei muitos anos para controlar minha hiperatividade e não quero que ela retorne.

Desta forma eu fico com duas possibilidades: meu sofrimento de hoje me traumatizará de forma que meu déficit de atenção será reprimido, ou quando tudo isso acabar (se acabar) eu notarei minha renovada dificuldade de concentração e iniciarei (antes tarde do que nunca) um tratamento, e já vou aproveitar pra cuidar das hemorróidas.

3. [sua conclusão aqui]

Isso tudo não deve ser encarado como uma desculpa. Foi um erro gravíssimo eu ter pensado que venceria minhas dificuldades me pressionando para tal. Ainda pior foi eu ter me rendido a isso. No primeiro sinal de falha eu devia ter mudado de estratégia e saído de Rio Grande mesmo sem passar em concurso. Eu tive muito medo. Eu tinha medo de ser rejeitado caso tomasse esta atitude. Eu tinha medo de ser rejeitado e de continuar falhando infinitamente (muito medo). Eu tinha medo de passar fome nessa cidade estranha caso eu viesse sem concurso. Eu tinha medo de passar fome e virar uma coisa ridícula morando numa pocilga que não mereceria o respeito de quem eu amo, e assim ser abandonado. Ironicamente foi o que aconteceu. Eu não estou passando fome, pelo menos. Minha estupidez não tinha limites. Por favor, me perdoem todos.

É muito difícil transcrever estes pensamentos. Só o fiz porque preciso externar de alguma forma. Eu estava me corroendo.

Imploro aos leitores que comentem sobre o que teorizo. Você concorda? Espero que eu sirva de aviso para os que são como eu.

Para quem quer saber de mim, estou apaixonado. Todos sabem como é.

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