sábado, 5 de abril de 2008

A causa nº 3

Por Guilherme de Moraes Alvarez

Pois, bem!

Outro post eu falei sobre as causas do sofrimento humano. Também disse que falaria mais sobre elas. Pois hoje é o dia.

Aconteceu numa conversa com uma pessoa domingo passado. Estávamos divagando sobre relacionamentos íntimos e eu tive uma epifania (também conhecido como 'insight').

As pessoas sofrem porque são diferentes. Estamos o tempo todo esperando que as pessoas ajam como nós agiríamos, ou nem isso, se formos hipócritas. Nos decepcionamos muito com todos. Esquecemos que não somos perfeitos, que o que pensamos que é certo só funciona para nós, e que não existe certo. Se dois povos estão em guerra disputando a última reserva de água no mundo, quem está certo, quem merece vencer? Poucas vezes lembramos disso. Muitos não sabem. E qual seria a consequência se todos soubessem? Se ninguém pensasse que existe certo absoluto o que ocorreria com a sociedade? Caos? Eu acredito que não.

O que nos faz agir nas relações não pessoais (aquelas que temos com pessoas desconhecidas) com responsabilidade é a necessidade de reciprocidade. Daí retiramos a ideia de certo e errado no nível impessoal. É errado queimar a banca de revistas. Na verdade (e verdade também não existe, mas isso é só uma expressão), não é certo nem errado. Queimar a banca de revistas é auto-destrutivo, por isso que ninguém faz. Cedo ou tarde teremos retribuição por ações que deliberadamente prejudiquem as pessoas. É desta forma que mantemos uma sociedade civilizada (ou tentamos). Quando você queima a banca de revistas, toda a sociedade se sente lesada e insegura. A sociedade cuida de neutralizar você (ou, novamente, tenta) em retribuição.

Isso funciona quase sempre para as relações não pessoais (existem excessões), mas falha vergonhosamente nas relações pessoais.

Quando as pessoas se relacionam de qualquer forma elas criam expectativas mútuas, esperando que um faça o que o outro pensa que é certo. Quanto mais proximidade, mais expectativa, e mais detalhadamente temos que fazer o certo.
Eventualmente erramos (na concepção do outro), e isso magoa as pessoas. Acontece o tempo todo, e destrói as relações. Também é assim com as ideias e opiniões. Ninguém compartilha todos os gostos e opiniões com outra pessoa. Estamos sempre em desacordo. Pode ser seu irmão gêmeo, não importa. As pessoas podem ficar décadas se machucando porque querem que os outros ajam e pensem segundo seus valores.

É um grande problema. Nunca impediu as pessoas de tentarem, mas creio que muitas são infelizes nessas condições. Além disso, as outras causas de sofrimento são agravantes desta. Quando uma pessoa não consegue sucesso profissional adequado sua companheira muitas vezes o abandona por esperar que a pessoa faça as coisas de forma diferente. Depois disso tudo pode virar uma bola de neve. O sofrimento gerado pelo desemprego alimentando o sofrimento pelo desentendimento que gera a separação que traz ainda mais sofrimento. Não sei porque as taxas de suicídio não são maiores.

O primeiro passo que enxergo para superar este sofrimento é valorizar as pessoas. Esperar delas o que elas já lhe proporcionaram de prazer, e ajudá-las a superar suas dificuldades, ao invés de julgá-las inapropriadas. Este passo no amadurecimento pessoal é muito importante. Ninguém, nunca, será igual a você. Aprenda a discordar com respeito e apreciar as qualidades. Claro que não devemos forçar a convivência com pessoas irritantes, mas tão pouco devemos deixar uma pessoa agradável de lado porque ela vota no PMDB.

O segundo passo que vejo é, paradoxalmente, reservar certa distância das pessoas, intelectualmente. Conversar todos os dias com a mesma pessoa sobre concepções filosóficas pode ser muito frustrante. Note-se que os melhores relacionamentos são com as pessoas com quem conversamos mais besteira do que coisas sérias, geralmente nossos melhores amigos. Existe entre namorados, noivos, maridos e mulheres, etc, uma determinada resistência às ideias e hábitos um do outro, a chamada birra. A birra é muito fácil de se instalar. Ela ocorre porque estamos o tempo inteiro analisando a pessoa. Cada pequena diferença se torna uma resistência. Depois de certo tempo as pessoas estão brigando mais do que não brigando. Para evitar a birra devemos esquecer o que pensamos que é certo nos mínimos detalhes e passar a apreciar as qualidades da pessoa (que são muitas, sempre). Devemos nos concentrar nas boas experiências. Não é tão difícil.

Dito isto, fica uma pergunta. Por que analisamos excessivamente a pessoa que desejamos do nosso lado para o futuro? Eu só consigo pensar em uma resposta: seleção natural. É incrível como nossos instintos fazem parte de nossa vida e como sofremos porque eles estão desatualizados. Já escrevi sobre isso. Analisar o companheiro é um dos instintos mais fortes que existe (ou seria existem?). Foi muito importante para nossa evolução. Hoje não é mais. O ser humano não respeita mais as regras de seleção natural, pois não está interessado unicamente na melhor prole. Estamos interessados na nossa própria felicidade. Muitos de nós sequer desejam se reproduzir. Para ser feliz, alguns instintos têm que ser suprimidos. Não precisamos mais do melhor espécime para reprodução. Precisamos da pessoa que nos faz mais feliz, ou nenhuma pessoa, se preferirmos.

O sofrimento é inexorável, mas não significa que devemos fugir. Muitas vezes podemos enfrentar o sofrimento, com sensibilidade e criatividade. Muitas vezes podemos ser felizes.